A conquista do Novo Mundo deu a conhecer a diversidade de etnias indígenas em diferentes estágios de desenvolvimento. Apesar dos contatos preliminares entre esses e os europeus terem sido pacíficos, logo o uso da violência pelos conquistadores passou a ser a regra.
Mesmo com a presença de ordens religiosas (franciscanos e dominicanos) que tinham como objetivo a conversão ao cristianismo dos povos dominados, houve complacência com os abusos e até benefícios com a exploração indígena. Para coibir esse processo de degradação dos índios, foi chamada a Companhia de Jesus para intervir, e a evangelização ficou a cargo de seus membros.
No início do século 17 foram criadas as Missões ou Reduções, povoamentos de indígenas guaranis que ocupavam territórios dos atuais sul do Brasil, Argentina e Paraguai (consolidando 30 povos, chegou a abrigar quase 100 mil índios) e tinham como objetivo o estabelecimento de uma comunidade onde a justiça e harmonia prevalecessem.
A função dos jesuítas era supervisionar, educar e evangelizar, além de dar proteção aos índios contra a escravidão. Apesar de serem contrários às práticas e rituais indígenas, eram pacientes, não se opondo, mas aguardando que a evangelização fosse suficiente para que adotassem os valores cristãos.
A organização se dava de forma que a missão pudesse ter uma base comunitária e fosse auto-suficiente, portanto deveria possuir todos os equipamentos e estrutura para tal. No entanto, esse ideal de vida batia de frente com os interesses dos colonizadores, que desejavam escravizar os índios. Nas reduções, o governo civil cabia ao indígena, obedecendo a hierarquia tribal, porém a administração da justiça ficava a cargo dos jesuítas, que podiam consultar o cacique.
No século 18 as missões alcançaram um sucesso econômico e autonomia administrativa tão grandes que passaram a ser vistas como ameaça ao poder da Coroa, além do que a própria Companhia de Jesus tinha acumulado muita riqueza e poder político, o que agravou ainda mais a desconfiança entre setores da sociedade colonial e disputas internas na Igreja, resultando na expulsão dos jesuítas das Américas, não sem que houvesse antes grande resistência. Muitos índios foram mortos, escravizados ou fugiram para a mata. Foi o fim das Missões Jesuíticas.
O legado
O emprego das artes (teatro, música, escultura e arquitetura) como forma de atrair e catequizar os indígenas gerou um fabuloso patrimônio que, apesar de se encontrar em ruínas, é um testemunho da riqueza cultural e histórica desse povo. Não é a toa que duas das missões paraguaias, Jesus de Tavarangue e Santíssima Trinidad del Parana, foram declaradas Patrimônio da Humanidade pela UNESCO em 1993.
Do grupo de 30 missões jesuíticas que se estabeleceram na bacia do rio da Prata, 7 estavam localizadas no Paraguai. Do ponto de vista estrutural possuíam um esquema urbano único, e apesar da singularidade de cada uma, todas misturavam elementos indígenas com atributos e símbolos cristãos (influências barrocas, românicas e gregas), um verdadeiro processo de aculturação.
Santíssima Trinidad del Paraná
Esta como as outras missões jesuíticas foi um sistema social e político desenvolvido no início da colonização espanhola onde os padres não mediam esforços na evangelização dos guaranis. O complexo dispunha de uma estrutura em que as edificações eram distribuídas ao redor de uma praça central, com a Igreja, colégio, casa dos padres, as oficinas (ateliês onde se desenvolviam atividades artísticas, religiosas e culturais) e a administração como as mais importantes construções. Próximo estava a área urbana com as casas dos índios, a coty guazú (moradia para órfãos e viúvas), a horta e o pomar de onde tiravam seus alimentos, a estância (fornecimento de carne e leite), poço, cemitério, etc.
Trinidad me surpreendeu pelo tamanho, conservação e forma de organização ainda perceptível após séculos. Localizada a 31 km de Encarnacion e a 700 m da Rota 6, foi a última missão jesuítica construída, em 1706 e trasladada para o lugar atual em 1712. Até a expulsão dos jesuítas, em 1767, funcionou como um exemplo de cooperativismo e harmonia.
Com 13 hectares, tem a sua Plaza Mayor, um espaço comum, bordeado pelas casas dos nativos, adornadas com arcos que recordam o estilo romano.
Mais afrente, a construção principal, a Igreja Maior, onde se pode observar peças de arte, como a pia batismal, talhada em 1720; o púlpito do sacerdote, finamente trabalhado com figuras religiosas de estilo barroco guarani; o altar; as paredes com imagens esculpidas (sem cabeça); e um belo friso com anjos músicos utilizando instrumentos musicais da época.
Púlpito |
Na área ainda se encontram o colégio, claustro, a igreja primitiva, o campanário, o cemitério, a horta.
Jesus de Tavarangue
Se em Trinidad encontrei pouquíssimos visitantes, aqui não havia ninguém e o silêncio só não foi maior do que a beleza do lugar.
Fundada em 1685, a Missão de Jesus se mudou várias vezes e estava em processo de construção, no atual lugar, quando houve a expulsão dos jesuítas.
O destaque fica para a enorme igreja inacabada com 70 m de comprimento e 24 de largura. A entrada, as três portas de acesso com características mouriscas, estilo que predominava à época na Espanha.
Como fui|
A minha visita ao país teve como objetivo conhecer um pouco desse rico patrimônio que nos foi legado pela missões jesuíticas. Para isso escolhi a cidade de Encarnacion como base, onde permaneci por dois dias.
Da rodoviária local parti em um ônibus que já tinha ultrapassado o tempo de ir para um ferro velho! Nunca na vida tinha utilizado um transporte em tal estado. Mas aquilo é comum por aquelas bandas… E lá fomos nós, pela Rota ¨6, no busão caindo aos pedaços (veja aqui).
Da rodoviária local parti em um ônibus que já tinha ultrapassado o tempo de ir para um ferro velho! Nunca na vida tinha utilizado um transporte em tal estado. Mas aquilo é comum por aquelas bandas… E lá fomos nós, pela Rota ¨6, no busão caindo aos pedaços (veja aqui).
Após a visita às ruínas de Trinidad, na portaria, foi-me oferecido um taxi para me levar (e aguardar) até as ruínas de Jesus de Tavarangue. Resolvi aceitar, pois o tempo estava fechando e achei a melhor alternativa do que apelar para um transporte público àquela altura.
Foi uma visita muito rápida, pois o taxista estava esperando para me deixar no ponto do ônibus, de onde retornei para Encarnacion, a 43 km de distância.
- O acesso para as ruínas não é fácil, pois não há transporte regular. A melhor opção é mesmo contratar um taxi, pois também não encontrei excursões que fizessem esse passeio. Fui e voltei de ônibus de linha, porém, se não houvesse o taxi para ir de Trinidad a Jesus, provavelmente não teria visitado essa última.
- O ingresso é válido para visitar três ruínas em um período de 72 horas: Cosme y Damian, Jesus de Tavarangue e Trinidad (25.000 guaranis/2016).
- Comprei meu ingresso no Centro de Informações em Trinidad, onde assisti a um vídeo informativo sobre as missões.
- 7 são as ruínas das missões paraguaias: 4 estão na região de Misiones (Santa Rosa de Lima, San Ignacio Guazú, Santa María de Fe e Santiago) e 3 estão na região de Itapuá (San Cosme y Damián e as duas que visitei, e as mais importantes).
Comentários